sábado, março 13, 2010

Elegia a uma pequena borboleta

Como chegavas do casulo,


— inacabada seda viva —


tuas antenas — fios soltos


da trama de que eras tecida,


e teus olhos, dois grãos da noite


de onde o teu mistério surgia,






como caíste sobre o mundo


inábil, na manhã tão clara,


sem mãe, sem guia, sem conselho,


e rolavas por uma escada


como papel, penugem, poeira,


com mais sonho e silêncio que asas,






minha mão tosca te agarrou


com uma dura, inocente culpa,


e é cinza de lua teu corpo,


meus dedos, sua sepultura.


Já desfeita e ainda palpitante,


expiras sem noção nenhuma.






Ó bordado do véu do dia,


transparente anêmona aérea!


não leves meu rosto contigo:


leva o pranto que te celebra,


no olho precário em que te acabas,


meu remorso ajoelhado leva!






Choro a tua forma violada,


miraculosa, alva, divina,


criatura de pólen, de aragem,


diáfana pétala da vida!


Choro ter pesado em teu corpo


que no estame não pesaria.






Choro esta humana insuficiência:


— a confusão dos nossos olhos


— o selvagem peso do gesto,


— cegueira — ignorância — remotos


instintos súbitos — violências


que o sonho e a graça prostram mortos






Pudesse a etéreos paraísos


ascender teu leve fantasma,


e meu coração penitente


ser a rosa desabrochada


para servir-te mel e aroma,


por toda a eternidade escrava!






E as lágrimas que por ti choro


fossem o orvalho desses campos,


— os espelhos que refletissem


— vôo e silêncio — os teus encantos,


com a ternura humilde e o remorso


dos meus desacertos humanos!






Cecília Meireles
Bjs Cris

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